Nesses últimos dias, os números da mais recente pesquisa Datafolha sobre modelos de governo foram divulgados. Nos dias 5 e 6 de dezembro, o instituto entrevistou 2.948 indivíduos em 176 municípios ao redor do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança de 95%.
Confie você ou não no Datafolha, os resultados são estatisticamente relevantes e servirão de base aqui para uma análise mais aprofundada. Na última pesquisa realizada, de 2019, a porcentagem de entrevistados que acredita que a democracia é sempre a melhor forma de governo caiu de 69 para 62%. Esta queda explica-se pelo aumento das respostas que afirmam indiferença quanto à forma de governo – se vivemos em uma democracia ou em uma ditadura –, que passou de 13 para 22%. Já a porcentagem daqueles que preferem uma ditadura em certas circunstâncias ficou estável – 12%.
Vale ressaltar que as respostas pouco variam quando analisadas nos diferentes diagnósticos que os entrevistados fizeram do governo Bolsonaro. Ou seja, não importa se o entrevistado avalia bem ou mal o governo do atual presidente quando estamos falando sobre democracia. Por outro lado, existem dois recortes relevantes a serem observados: escolaridade e renda.
Dos entrevistados com nível superior de escolaridade, 85% por cento afirmam que a democracia é sempre a melhor forma de governo. Na outra ponta, entre aqueles que têm somente o ensino fundamental, esse número cai para 48%. Quando o recorte é de renda, 81% dos que possuem renda familiar mensal de mais de dez salários mínimos preferem a democracia. Por outro lado, esse índice cai para 53% entre aqueles que ganham até dois salários mínimos.
Portanto, é interessante notar que quase 9 em cada 10 brasileiros com nível superior dão o devido valor ao regime mais adotado no mundo inteiro – em que a liberdade e a individualidade, entre outros valores, são essenciais –: a democracia. O que pode explicar o resultado é, fundamentalmente, a educação e senso crítico mais apurado: quanto maior a escolaridade, maior a capacidade do cidadão de construir opiniões próprias a partir de seu conhecimento.
É difícil, logo, estabelecer que o governo Bolsonaro foi o motivo exclusivo da queda geral pelo apreço à democracia nesse último ano. Essa parece uma narrativa reducionista. A compreensão de conceitos como cidadania e democracia, apesar de poderem ser mais ou menos prezados por presidentes, requer a consolidação de conceitos e noções educacionais básicas – cenário que, infelizmente, ainda não é ampla realidade no Brasil.
Agora, que o governo também contribui para uma visão de pouca simpatia à democracia, disso não há dúvidas. Os flertes com o AI-5, a ode à ditadura militar e a intolerância à parte da imprensa são marcas recorrentes do presidente e de seu núcleo ideológico. Sobre isso, não existem muitos dissensos. Alguns dão mais importância, outros menos. O mercado, por exemplo, classifica tais episódios apenas como ruídos e continua otimista com a retomada, promovida por Guedes e sua equipe, do crescimento econômico.
De fato, o Ministério da Economia colecionou boas vitórias em 2019. O detalhe despercebido, porém, é que essa é a única ala em que Bolsonaro deu total autonomia para Guedes – o posto Ipiranga – trabalhar. Por consequência, ministérios como Infraestrutura e Minas e Energia têm avançado também. Nem o ministro Sérgio Moro, por exemplo, teve tal autonomia.
Enfim, vale questionar: só o crescimento importa? Apesar de ser essencial para o futuro de um país, acredito que não. O fato de áreas também estratégicas para o avanço do Brasil – como política externa, educação, meio ambiente e saúde – terem gargalos sérios de gestão e políticas públicas limita o impulso sustentável da economia em um período de médio a longo prazo.
Quanto custa ignorar ações como a redução da participação da sociedade civil em conselhos de políticas públicas ou, por exemplo, a promoção do excludente de ilicitude? Ou ainda a tentativa frustrada de mudar as regras sobre sigilo de dados na esfera federal? Indo mais além, qual é a real intenção do ministro da Educação, Abraham Weintraub, quando este afirma – fantasiosamente – que as universidades federais são "madraças de doutrinação" que contêm "plantações extensivas" de maconha e produção de metanfetamina?
Evidentemente, as instituições no Brasil são ventiladas e esses tipos de comportamentos e atos muitas vezes esbarram em empecilhos jurídicos, legislativos ou até mesmo de controle externo – por meio da sociedade civil. É imprescindível, porém, ter o nosso compasso ético sempre aguçado: qual o preço da democracia? Crescimento de 5 a 6% ao ano? Se estiver confuso, pergunte aos chineses.
Pode até ser que tenhamos 3 ou 4 anos de crescimento robusto e que o próprio presidente se beneficie disso, sendo reeleito em 2022. O alerta fica, como já disse, pela sustentabilidade desse crescimento. Será que um país tão (ou mais) desigual como o Brasil consegue manter sua estabilidade política e econômica sem atacar estruturalmente os problemas de educação, de saúde básica, de produtividade e de outros pré-requisitos básicos para uma vida minimamente digna?
Corre-se o risco de recrudescer um regime que já vem sendo posto em xeque na maioria do Ocidente, mas que ainda segue como nossa melhor opção. A história nos mostra que não há sucesso quando se combina crescimento econômico e qualquer regime antidemocrático. Mas a ideologia bolsonarista tem o seu próprio jeito de olhar para a história. É claro que o crescimento econômico é muito bem-vindo, mas não pode servir de pretexto para aceitarmos qualquer decisão do governo em outras frentes.
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